sábado, 14 de abril de 2012

30.03.12
TCC – Roseane e Graça


Educação em direitos humanos: políticas curriculares
Vera Maria Candau
O debate sobre constituição de currículos no Brasil tem sido intensa nos últimos tempos, mas não tem privilegiado a reflexão sobre direitos humanos. Magendzo, autor chileno que discute muito este assunto, lembra que o tema é complexo e conflitivo.
Desta forma, nas relações entre políticas de currículo e direitos humanos, percebemos que estamos navegando em águas pouco trilhadas, o que requer considerações sobre questões fundamentais para que se possa efetivar tal contextualização.
Questões como: Tem sentido hoje o discurso sobre os direitos humanos? Por que educar em direitos humanos? O que é educar em direitos humanos? devem ser abordadas.

Tem sentido hoje o discurso sobre os direitos humanos?
Deve-se considerar a relevância do discurso sobre direitos humanos no momento atual nas esferas: mundial, continental e federal.
Internacionalmente, são múltiplas e diversas as violações dos direitos humanos e desrespeito às normas internacionais relativas à proteção e defesa da dignidade humana.
As políticas neoliberais e a globalização são realidades que acentuam a exclusão, porém não afetam igualmente todos os grupos sociais e culturais, nem todos os países e nem todas as regiões do país.  Nesta sociedade, marcada pela competitividade, os considerados diferentes, os “perdedores” presenciam, a cada dia, a negação do “ direito a ter direitos”.
Nacionalmente,observa-se um quadro sombrio tanto social quanto político: nosso país se caracteriza pela desigualdade e exclusão econômica, social, racial e cultural, decorrentes de um modelo de Estado neoliberal, no qual as políticas públicas priorizam os direitos civis e políticos em detrimento dos direitos econômicos, sociais e coletivos.
Cria-se uma situação contraditória entre a proclamação contínua dos direitos humanos e a experiência cotidiana de cada um, o que gera a afirmação, por parte de muitos, de que os direitos humanos constituem um discurso vazio e retórico.
Apesar do panorama desolador pode-se detectar progressivamente a afirmação de uma nova sensibilidade social, ética, política e cultural: através do Fórum Social Mundial   aglutinam-se sujeitos individuais e coletivos, organizações, militantes, constituindo redes que clamam por gestos  e ações concretas quanto à possibilidade da construção de um novo mundo.  

Por que educar em direitos humanos?
Há que se avaliar a possibilidade e o sentido de educar em e para os direitos humanos.
Primeiramente, entender que os direitos humanos não são “naturais”; são conquistas históricas que remetem a uma progressiva tomada de consciência do significado de ser humano.
Conforme citação na ONU (2005), a Declaração e Programa de Ação de Viena diz que “a  Conferência Mundial em  de Direitos Humanos considera a educação, a capacitação e a informação pública em matéria de direitos humanos indispensáveis para estabelecer e promover relações estáveis e harmoniosas entre as comunidades e para fomentar a compreensão mútua, a tolerância e a paz”.
A atualidade mostra um retrocesso, na medida em que seres humanos são considerados descartáveis. Vê-se então a importância da conscientização da dignidade humana e da promoção de uma cultura de direitos humanos.
Outro aspecto importante é a relação entre a educação como direito humano e a educação em direitos humanos. Considera-se a educação em direitos humanos como uma parte integrante do direito à educação. O Comitê dos Direitos das Crianças enfatiza que a educação a que uma criança tem direito é a que tem por objeto prepará-la para a vida cotidiana, capacitá-la para desfrutar dos direitos humanos e fomentar uma cultura em que prevaleçam valoresapropriados.
A fundamentação da importância da educação em direitos humanos também se refere ao fato desta ser indispensável para a efetivação de todos os direitos humanos em nossa sociedade.
Conforme cita Fritzche, professor de ciência política, “Para que serve ter direitos humanos  se não os conhecemos  e para que conhecê-los se não os compreendemos?”
E ainda questiona: “Para que serve compreendê-los  se ninguém está preparado para respeitá-los e promovê-los?”
Ainda, um último motivo para se educar em direitos humanos é a íntima relação entre democracia, cidadania e direitos humanos. A educação ganha maior importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades e à elevação da auto-estima dos grupos sociais excluídos, efetivando assim a plena cidadania.
Desta forma, a autora propõe a construção de uma cultura dos direitos humanos que penetre os diferentes espaços da vida social, desde a família às estruturas e políticas do Estado.

O que é educar em direitos humanos?
A definição de educação em direitos humanos não é ainda clara.
Em 2002, uma tentativa foi esboçada neste sentido por Shulamith Koenig, através de um entusiasmado debate entre mais de 3000 educadores para os direitos humanos ao redor do mundo, sem entretanto emergir uma definição de consenso.
No continente latino-americano, Abraham Magendzo coordena o Instituto Interamericano de Direitos Humanos( IIDH) da Costa Rica e no período de 1999 a 2000, promove  a construção de referenciais a partir de uma ampla pesquisa. Nesta é feito um balanço crítico da educação em direitos humanos na América Latina, através da participação de um pesquisador de cada país responsável por realizar um estudo de caso em seu respectivo contexto.
Participaram: Argentina, Chile, Peru, Brasil, Colômbia, Guatemala e México. Após a realização dos estudos de caso nacionais, convocou-se um seminário em Lima em 1999, que teve como objetivo discutir e elaborar uma síntese final do processo, além de levantar questões para o desenvolvimento da educação em direitos humanos em 2000.
Principais temas discutidos:
1-      Contextualizar a educação em direitos humanos como o novo marco político, social, econômico e cultural na transição da modernidade para a pós-modernidade nos países de tradição democrática fraca, como o Brasil, tendo a educação em direitos humanos o papel de fortalecimento da democracia claudicante. Hoje o cenário é outro.
2-      Importante evitar que a multiplicidade das expressões utilizadas cause ambigüidade ou restrinjam a educação em direitos humanos  a uma educação em valores, inibindo seu caráter político. O fato de se “alargar” a expressão pode causar a perda da especificidade, reduzindo-a a um grande “chapéu”, sob o qual se colocam as mais variadas coisas.
Ao final do seminário constatou-se a necessidade de se reforçar 3 dimensões:
*      Formação de sujeitos de direito: tem-se uma consciência débil e se pensa o direito com “dádiva”. Deve-se favorecer processos de formação de sujeitos de direito (pessoal e coletivo) com articulação ética, política e social e práticas concretas.
*      Favorecer o processo de “empoderamento”: permitir que a pessoa seja o sujeito de sua vida e ator social. Também há a aplicação coletiva ( grupos sociais, minorias) através da qual se favorece a organização e participação civil ativa.
*      Necessidade de processos de transformação para a construção de sociedades humanas e democráticas. “Educar para o nunca mais”: resgatar a memória histórica, rompendo a cultura do silêncio e da impunidade para que se construa a identidade   de um povo.
Esses 3 componentes constituem o horizonte de sentido da educação em direitos humanos.
Para isso, são necessárias estratégias metodológicas coerentes com as finalidades expostas, metodologias ativas, participativas e com diferentes linguagens. 
É fundamental que se tenha como referência a realidade e o trabalho com diferentes dimensões dos processos educativos e do cotidiano escolar, além de se considerar a abordagem específica em contextos específicos.
Há que se transformar mentalidades, atitudes, dinâmicas organizacionais, práticas e comportamentos cotidianos.
A dificuldade consiste em promover processos de formação que trabalhem a profundidade do conceito de educação em direitos humanos e que favoreçam a constituição de sujeitos e atores sociais ativos, pessoal e coletivamente.
Considerando a educação escolar, são assinalados elementos capazes de ajudar a               caracterizar experiências que podem ou não ser consideradas educação em direitos humanos.

*      O que não é educação em direitos humanos:

ü  atividades esporádicas não integradas entre si;
ü  apenas campanhas episódicas;
ü  conteúdo de algumas disciplinas ou uma disciplina pontual;
ü  formação em valores, simplesmente;
ü  conhecimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo, como única forma de respeito a estes direitos.

*      O que é educação em direitos humanos:

ü  processo dinâmico, sistemático, multidimensional que forme indivíduos conscientes dos seus direitos e deveres, e que os faça cidadãos participantes;
ü  atividades, atitudes, saberes e práticas que construam uma sólida cultura de direitos humanos na escola e na sociedade;
ü  desenvolvimento da consciência da dignidade em cada indivíduo;
ü  processos onde estejam presentes, segundo Sime, as pedagogias da indignação, da admiração e das convicções firmes;
ü  promoção do trabalho coletivo, do incremento da auto-estima, e o desenvolvimento do conceito de importância social dos excluídos.

Educar em direitos humanos no âmbito escolar: principais desafios
A ONU (2002) define como educação em direitos humanos: “conjunto de atividades de capacitação e difusão de informações orientadas para criar uma cultura universal na esfera dos direitos humanos mediante a transmissão de conhecimento, o ensino de técnicas e a formação de atitudes”.
Com esta tarefa em vista, quais são os desafios?
1.       desconstruir a visão do senso comum de que defender os direitos humanos é apenas defender bandidos. Trata-se de lutar pela defesa da dignidade de todas as pessoas e do estado de direito da sociedade, e aí se incluem “os bandidos”, ou mergulharíamos de novo na barbárie.

2.       optar entre diferentes concepções de educação em direitos humanos: dois enfoques principais se evidenciam, o neoliberal e o dialético.
A visão neoliberal tende a ver o respeito aos direitos humanos como determinante da melhoria da sociedade, sem entretanto questionar o seu modelo; enfatiza os direitos individuais, a ética, os direitos civis e políticos (centrados no processo eleitoral). Formar cidadãos é formar indivíduos produtores e indivíduos consumidores, e isto se faz nas escolas dentro de uma visão construtivista e transversal, privilegiando as dimensões psicoafetivas, interacionista e experiencial.
A visão dialética e contra-hegemônica diz que os direitos humanos devem ser mediações para a construção de uma sociedade inclusiva, auto-sustentável e plural. Propõe uma cidadania coletiva, organizada, apóia a transformação social e defende a inclusão, com poder, dos marginalizados. Diz que os direitos políticos não devem ser garantidos apenas pelo processo eleitoral, passível de manipulação, propõe discussões a respeito dos direitos associados à revolução tecnológica e à globalização. Na escola, privilegia a interdisciplinaridade, admite as dimensões sócio-cultural, afetiva, experiencial como entende a pedagogia crítica e segue o construtivismo sociocultural.
As duas perspectivas freqüentemente se cruzam, mas é importante ter uma delas como referencial principal.

3.       preservar o direito à diferença: há controvérsias a respeito do privilégio ou da igualdade, ou das diferenças; entretanto, aconselhável é fazer dialogarem ambas as posições. Na verdade, igualdade não é oposta a diferença, e sim a desigualdade... Diferença se opõe a padronização e não a igualdade... Então, o que se pretende aqui é abominar a padronização ao mesmo tempo que lutar contra a desigualdade na sociedade, ou seja, lutar pela igualdade e pelo respeito à diferença, ao mesmo tempo.

4.       construir ambientes escolares que respeitam e promovem os direitos humanos: não se pode reduzir a educação em direitos humanos a alguns conteúdos esparsos no currículo escolar. É preciso criar um ambiente de direitos humanos respeitados, em todos os momentos e todas as situações cotidianas, e por todas as pessoas. O Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos da ONU (2005) diz que esta deve incluir duas dimensões: o contexto educativo e as ações eficazes que garantam o respeito aos direitos humanos. Isto pede estratégias amplas, que saem do domínio da escola e englobam o Poder Público e a sociedade.

5.       incorporar a educação em direitos humanos no currículo escolar: para as escolas fundamental e média existe o consenso de que não se deve introduzir o conteúdo através de uma disciplina específica, mas sim fazê-lo permear todas as estratégias de ensino, sejam disciplinas, sejam projetos específicos.

6.       introduzir o conteúdo desejado na formação inicial e continuada de educadores: as ações neste sentido são mínimas, infelizmente. Não se pode, no entanto, imaginar que educadores transmitam valores não vividos continuamente por eles mesmos.

7.       estimular a produção de material de apoio: ainda são poucos e precários estes recursos, e é preciso que este cenário mude.

Em resumo, vê-se que é urgente a construção de uma cultura social de respeito aos direitos humanos e o diálogo contínuo entre escola-sociedade, para que possamos dar conta do longo caminho que há a percorrer.

Reflexão: analisar o Índice de Felicidade Interna Bruta, enfatizando a sua proposta de construção de uma cultura (expressa pelo índice FIB) que transcende os valores capitalistas sem entretanto negá-los.
www.institutovisaofuturo.com.br

 

Um comentário:

  1. Ótima apreensão do texto original(coloquem corretamente a referência). De tudo, pergunto: Educar para os direitos humanos, nào é simplesmente educar?

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